domingo, março 25, 2007

Num mais um dia qualquer


Espiei curioso pelas duas janelas da face
Dentro da frágil casa de carne, ossos e já poucas vísceras
E assim vi um ego formoso de terno fino a mesa
Brindando com um tal de "Sr. Sucesso Moderno"
Levantando uma taça de sorriso tinto barato, escarrado...
O tim-tim das taças rimavam com gemidos do quarto escuro do ser
Onde a alma se prostituía fervorosa com a insanidade,
Produzindo sons que seduziam até o celibato do racional

Ao lado e em pé vi uma mulher frágil, esquecida e suja
Vagava pela casa com um olhar tenso, vazio e preocupado...
Era a identidade, estava cheia de "se"
e vazia de si,
Poderia ver-se num espelho que não reconheceria a si própria...
Queria encontrar a si apenas se fosse num lugar fora dela

Por fim percebi algo passando rápido e rasteiro,
Era a mente, que parecia estar com disenteria
Corria despejando fezes midificadas pela a casa...

(suspiro)
Isso tudo apenas com o rosto de frente para um espelho
Num mais um dia qualquer desses por aí...
Não é à toa que a auto-crítica é a mais odiada pela casa,
Nessa casa composta apenas de um cômodo... Eu, acomodado...

Augusto Sapienza (índice de posts de Augusto)

quarta-feira, março 14, 2007

Lua Nova

Lua nova
Lua negra
Atreve-se a arquear-se
Entregar-se a negritude
Amam-se
Todas as noites
Mas a lua só goza
Por uma de suas faces
As outras ficam omissas
E aceitam o êxtase alheio
A lua se contenta apenas com a sombra
Pois não gosta de ser observada
Parece vazia, assim
Um feixe de luz
Embebido em trevas
Mas a lua só goza
Por essa face
A face nova
A face negra
Arqueia-se noturna
Sete noites de êxtase
E outras tantas luas vazias
Mas a lua só goza assim.


Larissa Marques (índice de posts dos outros contribuidores)

domingo, março 11, 2007

Artifícios


Tentou primeiro subornar meu querer com seu olhar de afeto
Depois inundou meu ser de suas mentiras bonitas...
Assim me seduzia. Fazia o que gosto, riscava o que detesto
Mas no fim só me dava a secura de sua persona talhada em mão hábil
Escondendo-me o que está debaixo dessa sua sedenta pele débil

Talvez até gostasse do que há nessas suas vísceras, no profundo
Já que sua talhada de pau-oco me serve só para enfeite, não me completa
Mas falar-te de coração é como dizer um adeus para um ateu...
Então lhe dou um adeus mais sincero que qualquer coisa que já viera da sua boca
Teu amar é tão quente e previsível quanto um filme barato e mal acompanhado
Onde a melhor parte é o intervalo da sua vida, mas ele nunca chega...

Meu artesão de falsidades, faça sua própria cova e lápide com alguns artifícios vazios
Se torne um Narciso de sua talhada e elaborada imagem na busca do impecável
Mas eu? Ah, se só isso me bastasse, mas sempre preciso de algo mais
Eu quero alguém com distorções, manco e infame, mas franco e (talvez) mais nada!

Acho que você não percebeu, o meu riso ali era honesto (e não era para você)...
Eu estava livre do seu "te quero", leve e letal como uma granada...
E acho às vezes que o seu ser sincero é ser falso, talvez... Ou talvez eu que não seja burra,
Sou um pluriverso dinâmico e cafona e você é estatueta numa prateleira moderninha

Você ainda me pergunta se eu tenho certeza do que decidi. Mas o que importa essa certeza?
Até os loucos têm certezas de estimação cravadas em seus hospícios
O Certo não é a questão, a questão é cardíaca e por isso ausente de certeza...
E para você? No final e na melhor das hipóteses, conseguirá a proeza de realmente
Convencer o mundo que sua talhada persona pode ter vísceras vivas!
Ah, mas só se for de vermes da madeira, exatamente aquilo que te consome...


Augusto Sapienza (índice de posts de Augusto)

sexta-feira, março 02, 2007

Às avessas


Não gosto do teu poema ritmado
Do teu poema paradoxal
Do teu poema metrificado

Não gosto da tua poesia
Daquela que sai das tuas pernas
Que escorre pelos teus cabelos

Não gosto das palavras, das tuas palavras
Tua boca, teus seios, teu nariz
Do teu pensamento estereotipado
Você estereotipou o pensamento?

Gosto de teu sebo particular
Teu cancro, tua febre, teu odor
Da poesia que sai como esterco
Da tua poesia apoética

Cyntia Ramos (índice de posts dos outros contribuidores)

Imagem de Daniela Macri, mais imagens dessa fotógrafa no link:
http://www.olhares.com/utilizadores/detalhes.php?id=26110